Um Enigma.

Eu repudio o enigma do Tempo. Em todos seus aspectos, sem esquecer-me do que é longo e lento e do que é curto e rápido. Eu venho, com pressa, na tentativa de parar o tempo para que ele dure e para que minha pressa, enfim, se acabe. O tempo não para, tampouco a pressa. Mesmo assim eu tento matar esse maldito e invulnerável tempo: fico uns 30 segundos, ou mais, observando a fumaça tênue que sai do meu café amargo.


Enquanto a fumaça, que não cessa, pula e foge da minha caneca indiferente, eu fico aqui, pensando e tentando entender a complexidade das tuas atitudes, as mesmas que contrariam as palavras que, covardemente, proferisse para mim. – Tu nem deve entender a sutiliza das coisas que digo -. Talvez eu subestime demais a sua maturidade e te encaixe no corpo da tua idade limitando a tua argúcia.


Eu te falei sobre o tempo e queria que entendesse o impacto que ele tem sobre meus anseios. Tu se mostrou entender. E, o que eu não entendo, é o como tu se disse tão parecida comigo sem ao menos olhar nos meus olhos e ver o que eu vejo nos teus. Então, tu se deixa envolver pela vingança do tempo e, como bailarina de ferro que és, se desvencilha dos meus braços e faz a música acabar. Já não há mais motivo para perguntar: “você ainda irá gostar de mim amanhã?”. Só me sobra a certeza de que tudo é rápido e lento demais, ao mesmo tempo (tempo?), sem mais nem menos. E esse mesmo tempo te leva para longe daqui, me deixando só, me fazendo pensar, querendo voltar para te dizer: “É contigo que eu quero ficar”, sem te fazer temer, sem te fazer fugir.


Só quero que saiba que eu não preciso mais de palavras mutáveis e inconstantes, assim como não preciso mais de beijos inacabados, nem mais de esperas para que a confusão se desfaça, tampouco mais de tempo curto e nem de mais tempo longo. Só preciso de um tempo a mais, para eu não pensar em você, como faço agora.




Cássia Fernandes.

Embriagada.

Nada melhor do que o esmero de um vinho, em uma noite fria e úmida, para afogar as tristezas e mágoas inventadas de um amor que nunca passou de um desejo de amar. Enquanto bebo e observo, dentro da taça, o líquido vermelho se movimentar de forma lenta e suave, concluo que o melhor a fazer é voltar a escrever. Então, procurando as melhores palavras - aquelas que não fogem da atmosfera do conjunto: frio, umidade e vinho – retorno a uma atividade há tempos esquecida.


O meu ato de escrever se foi quando ela voltou e, enquanto eu a tinha para mim, gravar palavras não era mais uma necessidade. Como pode perceber, ela se foi. Se foi pela concretude de palavras escritas... Não pronunciadas, nem mostradas, mas sim escritas! Que infame as palavras escritas! E eu as faço.


As faço simplesmente porque tudo o que é vergonhoso me atrai, e fugir do contato direto é algo vergonhoso. Talvez com ela tenha ocorrido o mesmo... Talvez, assim como eu, ela tenha se embriagado com algo parecido com o vinho e, em meio à tontura que a ilusão lhe proporcionou, ela me perdeu. Pode ser que o frio dessa noite a tenha contagiado, isso explicaria a sua frieza ao me deixar. Só me resta uma única certeza: a umidade de meus olhos já se foi. Só me resta uma conclusão: escrever é me encontrar. Fica apenas uma pergunta: onde fica o amor nessa história?

Para: P.

Cássia Fernandes.

Por Você.

Nesse momento a areia desse chão feito de fumaça, percorre minha pele da mesma forma que eu queria que meu amor percorresse a sua. quem sabe um dia, quando eu voltar e sua vida nao for mais a mesma, nós nos encontremos por aí e sorriremos sem sentir culpa alguma. Por mais que eu queira seguir seus passos e te esperar em uma esquina qualquer do seu caminho traçado, sinto que de nada adiantará. Penso em desistir, pois a certeza de que, seu olhar nunca será para mim, atormenta meus dias sem chuva húmidos pelas lágrimas das minhas palavras. Não sei que horas são, nem tampouco que dia é hoje, não quero contar o tempo porque eu sei que ele não me trará nada do que espero.


Esperança? Eu seria mesquinha em falar sobre esperança. eu disse que não a sentiria mais...


Me diga como é ter alguém que te vê no por do sol, no balanço do mar, que te encontra nas letras das músicas e nas sombras do chão. Como é ter alguém que leva a lembrança de um único beijo para longe de ti e que não diga nada sobre isso. Talvez seja melhor se calar como sempre fez, ou dizer apenas que "tudo foi fácil demais".


Eu pintaria em um quadro de água cada gota da chuva que caiu sobre seu rosto naquele mais perfeito dia. Eu cantaria, em qualquer nota, cada movimento da sua face quando estavas comigo.E u transformaria em perfume a sensação de tocar sua mão e sentir seus braços. Eu transporia em versos o instante final do seu beijo.


Vou caminhar sobre pedras em brasa na estrada mais distantes que houver até chegar em sua porta. Talvez nessa demora, e sentindo a dor tamanha do fogo em meus pés, eu esqueça de você. Pode ser melhor ir te buscar a nado pelo mar mais bravo e salgado deixando com que a sol queime minha pele e que a sede seque minha alma, talvez assim eu deixe de sentir o amor. Ou então eu poderia roubar todas as flores que me fazem lembrar seu sorriso e enterrá-las na mais funda foça, quem sabe assim você deixasse de estar em todas as coisas.


Mas a verdade é que nenhum plano dará certo; que o tempo não resolverá nada; e que, por mais que eu queira, você sempre estará em tudo, estará nos grãos da areia, nas gotas da chuva e do mar, estará no gosto da fruta, no tempero do que me alimenta. Você estará nas pétalas das flores, nos raios do sol, no cheiro do vento, nos rastros das estradas. Você estará em mim quando eu olhar no espelho, estará na derme das minhas mãos e no gosto dos meus lábios.

Cássia Fernandes.

Na estante vazia.

Vai sempre ter um dia, na sua miserável vida enferma, que alguém vai brincar com suas feridas. Esse alguém não vai se importar com nada que tem uma imensa importância pra você. E não vai saber das coisas que você viveu, nem tampouco o que você aprendeu com elas.


Para esse alguém o fato de você acordar todos os dias com medo de talvez não acordar amanhã (porque isso é provável) não vai interessar. Não vai interessar porque você é apenas um brinquedo de plástico jogado na estante e lembrado só quando não há mais nada o que fazer. E você vai desejar ser um brinquedo de vidro que quando quebrado não vai ter concerto. Porque, sentir mais de uma vez a mesma coisa, é quase insuportável. Mas você suporta por causa da maldita esperança fragmentada em pedaços de tecidos sem textura. E você vai continuar jogado na estante, porque você é só um brinquedo e não pode se movimentar sozinho. O que vai lhe restar é apenas esperar.


E nessa espera melancólica e um tanto quanto engraçada você vai lembrar de coisas que achou que havia esquecido. Devia ter esquecido. E vai reviver sua vida, vai chorar as mesmas lágrimas, sorrir os mesmo sorrisos e se arrepender mais uma vez. É isso que acontece com as lembranças. Mas você está na estante não está? E as coisas não dependem somente de você. Depende também da bondade de quem brinca contigo. Grite: “Me deixe em paz!”, mas não fuja.


Não fuja porque esse vai ser o ato mais covarde da sua vida. Covardia pressupõe medo. Medo é o que faz com que deixemos de arriscar. Se você não arriscar não irá conseguir nada. Mas você já tem o nada. Então lute pelo dia em que você vai arrumar um plano de transformar sua pele de plástico em pele de carne. Só não esqueça que as feridas da carne doem mais. Mas você tem sentimentos não tem? Então a dor faz parte do seu crescimento. Deguste a dor.


Não deixe que alguém diga que você tem um problema sério quando estava lutando por alguma coisa que era uma farsa. O seu problema sério é muito mais sério que uma brincadeira infantil. Durma hoje e não pense se vai acordar ou não amanhã. Esqueça sua vida enferma e não deixe ninguém colocar um problema onde há muitos outros. Exclua da sua vida o que te faz mal, e saia da estante, você não é um brinquedo e ]não gosta de brincar.


Você não brinca com ações, com atos e muito menos com palavras. Não deixe ninguém falar sobre suas palavras. Faça o que quiser com elas. Elas são sua única arma, você se defende com elas, você diz o que sente com elas, você não mente com elas... Mas você mente, você mente quando foge, mente quando quer fazer as coisas certas e acaba mentindo para si mesmo. Na verdade é você que se deixa ferir. São as suas palavras que procuram respostas que te ferem. Aprenda a mentir com as palavras! Aprenda! A merda é que você não gosta de brincar, então brincam com você.


Cássia Fernandes.

Pássaros a Noite.

Eu pensei que a estava enganando...O céu estava estrelado e enquanto eu mentia sobre olhar as estrelas e lembrar dela, meus braços a envolviam e ela me protegia, com seu corpo quente, do frio da noite. Ficamos assim, sentados, rodeados por árvores sem cores que se balançavam com a vida do vento. Olhavámos para o céu. Eu procurava a estrela que brilhava mais, pois eu sabia que seria a menos distante de mim. Não gosto de distância. Ela pensava algo que eu não sei, e por mais que eu perguntasse, ou tentasse desvendar seus pensamentos, ela não se permetia revelar-se. De repente, em uma ligeireza um tanto quanto assustadora, ela olhou para mim e falou algo sobre pássaros. Como eu me encontrava concentrada divagando entre as estrelas, o que brilha e a distância, eu não a ouvi. Então ela repetiu:_ "Tu já viu pássaros voando de noite?"

Está aí uma coisa que nunca vou esquecer. Vi pássaros com ela, pássaros a noite, pássaros... Então pensei algo sobre vôos de liberdade que são dados no escuro por medo de serem descobertos. Então pensei que, por mais encantador que fosse ver aqueles pássaros, eu preferia olhar as estrelas, assim eu me sentiria menos culpado. Estrela e pássaros. Quero a estrela mais brilhante por estar mais perto, repudio o vôo dos pássaros porque eles se distanciam. Ela é estrela e pássaro.
Respondi para ela que eu nunca havia visto pássaros voando a noite, ela disse o mesmo e nos calamos. Ela seguiu os pássaros com os olhos e eu voltei a procurar a estrela mais brilhante. Senti que ela queria voar...Era mentira sim quando eu disse a ela que, todas às vezes que eu olhava para as estrelas eu lembrava dela. Mas era mentira apenas porque eu nunca olhava as estrelas, e agora eu tenho certeza de que, se eu olhasse, sentiria ela brilhar em mim. Quando os pássaros desapareceram na escuridão, ela voltou seus olhos para mim de uma forma doce e forte. Olhei em seus olhos e desejei dizer: _'No tengo tu en mi mirada'. Mas preferi enganá-la com minhas palavras mudas e a beijei.

Ela nunca deixará de ser estrela, mas agora ela precisa se tornar pássaro e voar para longe. Um dia voltarei a ver pássaros voando a noite, mas estarão voando de volta para mim. Lembrarei dela todas às vezes que eu olhar para o escuro do céu , até mesmo em noites de tempestades. O que me acalma é saber que as estrelas continuam no mesmo lugar, mesmo às vezes eu não podendo enxergá-las.
ps: Para An. M.
Cássia Fernandes.

O que me queima.

É preciso eu arriscar o calor dos meus pés em um chão úmido e gelado para eu então sentir o choque da vida. E acabo perdendo tudo o que há de quente em mim: os meus desejos que me secam, os meus lábios que só beijam, minhas mãos que provocam... e até mesmo você. Você, que é o que de mais quente eu tenho, ou tinha... Talvez nunca tive...
A cada passo descalço, perco, na velocidade de um compasso, a concretude da tua presença em meio ao frio que torna o chão tão real e cruel. E eu não tiro os pés da real crueldade... Eu gosto do que gela! Eu gosto do que me afasta da vontade de voar, tenho medo de altura, medo de cair, medo de você. Então me mantenho firme, de pé, sentindo sob mim a espessura real do concreto do meu caminho.
Uma vez ou outra, meus pés se vestem e muda a velocidade de cada passo, fazendo com que, ligeiramente, eu sinta sob mim apenas o ar pesado, transparente e quente que me causa a sensação de estar voando. É uma fuga discreta da segurança gelada do concreto maldito que corrói a fantasia e a doçura do que queima em mim.
Você queima em mim quando sinto o fogo da sua pele em minha boca umedecida de desejo. Queima quando anseio seus olhos recheados de chamas que clamam pela calma do meu frio olhar indiferente. Você conflagra em mim quando movimenta seu corpo no sentido de vai e vem, me fazendo temer sua ida e festejar sua volta. Arde quando seus braços envolvem meu corpo num pedido mudo de que eu não escape de você. Incendeia quando suas palavras atingem meus sentidos provocando em mim uma vontade avassaladora de gritar palavras imundas pelo tal infame amor.
O chão e o amor são coisas opostas, então escolho o chão que é o mesmo que o frio e que me afasta de você. O problema é o amor... O problema é amar você, tudo porque você é quente, e o que é quente dói... só não sei aonde... mas dói, e o frio apenas choca e me lança para a vida. O fogo me aproxima de você e me faz paralisar no tempo. O fogo queima meus pés, e andar em brasas me faz querer voar. Voar também é um problema.

A verdade é que talvez tudo não passe de um medo idiota.
Quero o que é quente de volta para mim.
ps: Para An.M
Cássia Fernandes.

Sem Tempo para Besteiras.

Preciso urgentemente de uma cadeira confortável, para que eu possa escrever decentemente, e não ser interrompida por nenhum mal-estar físico. É patético eu culpar um simples objeto, de três ou quatro patas, pela minha incapacidade repentina de escrever alguma palavra que preste e que seja recheada de sentidos concretamente abstratos que dizem menos do que realmente dizem.
Perdi o fôlego por não haver pausas... Perdi o compasso entre uma palavra e outra. Perdi, nessa página quase em branco, as razões que me trouxeram até aqui. Me sinto um tanto quanto afásica (dou o nome que eu quiser à minha falta de capacidade de expressão simbólica).
Cássia Fernandes.