Na estante vazia.

Vai sempre ter um dia, na sua miserável vida enferma, que alguém vai brincar com suas feridas. Esse alguém não vai se importar com nada que tem uma imensa importância pra você. E não vai saber das coisas que você viveu, nem tampouco o que você aprendeu com elas.


Para esse alguém o fato de você acordar todos os dias com medo de talvez não acordar amanhã (porque isso é provável) não vai interessar. Não vai interessar porque você é apenas um brinquedo de plástico jogado na estante e lembrado só quando não há mais nada o que fazer. E você vai desejar ser um brinquedo de vidro que quando quebrado não vai ter concerto. Porque, sentir mais de uma vez a mesma coisa, é quase insuportável. Mas você suporta por causa da maldita esperança fragmentada em pedaços de tecidos sem textura. E você vai continuar jogado na estante, porque você é só um brinquedo e não pode se movimentar sozinho. O que vai lhe restar é apenas esperar.


E nessa espera melancólica e um tanto quanto engraçada você vai lembrar de coisas que achou que havia esquecido. Devia ter esquecido. E vai reviver sua vida, vai chorar as mesmas lágrimas, sorrir os mesmo sorrisos e se arrepender mais uma vez. É isso que acontece com as lembranças. Mas você está na estante não está? E as coisas não dependem somente de você. Depende também da bondade de quem brinca contigo. Grite: “Me deixe em paz!”, mas não fuja.


Não fuja porque esse vai ser o ato mais covarde da sua vida. Covardia pressupõe medo. Medo é o que faz com que deixemos de arriscar. Se você não arriscar não irá conseguir nada. Mas você já tem o nada. Então lute pelo dia em que você vai arrumar um plano de transformar sua pele de plástico em pele de carne. Só não esqueça que as feridas da carne doem mais. Mas você tem sentimentos não tem? Então a dor faz parte do seu crescimento. Deguste a dor.


Não deixe que alguém diga que você tem um problema sério quando estava lutando por alguma coisa que era uma farsa. O seu problema sério é muito mais sério que uma brincadeira infantil. Durma hoje e não pense se vai acordar ou não amanhã. Esqueça sua vida enferma e não deixe ninguém colocar um problema onde há muitos outros. Exclua da sua vida o que te faz mal, e saia da estante, você não é um brinquedo e ]não gosta de brincar.


Você não brinca com ações, com atos e muito menos com palavras. Não deixe ninguém falar sobre suas palavras. Faça o que quiser com elas. Elas são sua única arma, você se defende com elas, você diz o que sente com elas, você não mente com elas... Mas você mente, você mente quando foge, mente quando quer fazer as coisas certas e acaba mentindo para si mesmo. Na verdade é você que se deixa ferir. São as suas palavras que procuram respostas que te ferem. Aprenda a mentir com as palavras! Aprenda! A merda é que você não gosta de brincar, então brincam com você.


Cássia Fernandes.