O que me queima.

É preciso eu arriscar o calor dos meus pés em um chão úmido e gelado para eu então sentir o choque da vida. E acabo perdendo tudo o que há de quente em mim: os meus desejos que me secam, os meus lábios que só beijam, minhas mãos que provocam... e até mesmo você. Você, que é o que de mais quente eu tenho, ou tinha... Talvez nunca tive...
A cada passo descalço, perco, na velocidade de um compasso, a concretude da tua presença em meio ao frio que torna o chão tão real e cruel. E eu não tiro os pés da real crueldade... Eu gosto do que gela! Eu gosto do que me afasta da vontade de voar, tenho medo de altura, medo de cair, medo de você. Então me mantenho firme, de pé, sentindo sob mim a espessura real do concreto do meu caminho.
Uma vez ou outra, meus pés se vestem e muda a velocidade de cada passo, fazendo com que, ligeiramente, eu sinta sob mim apenas o ar pesado, transparente e quente que me causa a sensação de estar voando. É uma fuga discreta da segurança gelada do concreto maldito que corrói a fantasia e a doçura do que queima em mim.
Você queima em mim quando sinto o fogo da sua pele em minha boca umedecida de desejo. Queima quando anseio seus olhos recheados de chamas que clamam pela calma do meu frio olhar indiferente. Você conflagra em mim quando movimenta seu corpo no sentido de vai e vem, me fazendo temer sua ida e festejar sua volta. Arde quando seus braços envolvem meu corpo num pedido mudo de que eu não escape de você. Incendeia quando suas palavras atingem meus sentidos provocando em mim uma vontade avassaladora de gritar palavras imundas pelo tal infame amor.
O chão e o amor são coisas opostas, então escolho o chão que é o mesmo que o frio e que me afasta de você. O problema é o amor... O problema é amar você, tudo porque você é quente, e o que é quente dói... só não sei aonde... mas dói, e o frio apenas choca e me lança para a vida. O fogo me aproxima de você e me faz paralisar no tempo. O fogo queima meus pés, e andar em brasas me faz querer voar. Voar também é um problema.

A verdade é que talvez tudo não passe de um medo idiota.
Quero o que é quente de volta para mim.
ps: Para An.M
Cássia Fernandes.