A Liberdade Esperada.

Eu desejei, do fundo da minha alma, que aquela fosse a última vez que eu a veria olhando para as estrelas. Não sei realmente se olhou para as estrelas, ou para a luz do céu, na tentativa de disfarçar, ou provar, que não havia lágrimas em seus olhos.
‘É isso’, disse eu na simplória intenção de fazê-la notar que eu sabia décor as suas frases que finalizavam qualquer diálogo. Ela então me olhou, sorriu e disse: ‘É isso’. Rapidamente lembrei de uma música, a mesma música que eu citei quando ela estava deitada ao meu lado, com o rosto virado para o meu e com sorriso nos olhos. Que se dane a música, que se dane cada lembrança, cada palavra, cada beijo. Nada mais importa e tudo se diluiu em um piscar de olhos quando, em um ato infantil, ela disse coisas que nunca deveria ter dito.
Eu também disse coisas que nunca deveria ter dito, é sempre assim, as palavras soam, voam e pairam aonde não devem, tocam e ferem. Ferem tanto porque fazem relembrar de um tempo perdido no vazio do peito e reencontrado na chuva dos olhos. Ela me fazia reviver cada passo torto que um dia eu dei e reconstruir na minha frente a cena de uma filme de terror. Por que isso tinha que acontecer? Sei apenas que, por causa da dor tamanha que eu senti naquele momento, eu a fiz chorar também, mas não por dentro... eu precisava de algo concreto dessa vez. Então ela disse:
- Tu não tinha o direito! Nunca mais diga o que você disse.
Claro que eu pedi desculpa, mas foi uma desculpa simplória, uma desculpa orgulhosa e mal intencionada. Me fez bem a ver chorar (essa é a maior mentira). E nunca ninguém vai entender.
Fui para casa com o cheiro dela em minhas mãos e, não contente com isso, o enrolei em meu pescoço. Me sufoquei e, sem pensar, eu o arranquei de mim. Eu estava me libertando de todas as mentiras e esperanças, de todo o amor e dissabor. Me sentia com a liberdade de uma borboleta que voa e volta e vive e morre. Joguei o cheiro dela em um canto qualquer, sempre jogo tudo o que não quero, ou as coisas das quais canso, em um canto qualquer da minha vida banal. Virei as costas e fui deitar. Minha cama nunca esteve tão quente e aconchegante, senti que ela sabia que era disso que eu precisava. Me senti abraçada pelos meus lençóis, fechei meus olhos e pela primeira vez não sonhei com ela. Quando acordei não pensei nela. Saí do meu casulo e, com asas coloridas, voei de volta para a minha vida solitária e tranqüila. Descobri que eu não amava.

ps: Para A.M

Cássia Fernandes.