Assim como eu.

Ela abre uma página qualquer de um livro sem capa e sem cheiro. Folheia até encontrar uma página especial, não uma que diga alguma coisa, alguma frase bonita, não. Folheia até encontrar uma página que guarda algo, uma história, uma flor mortalmente seca. As pétalas não possuem mais o vermelho que tinha quando ela a ganhou, agora é mais escura, mais triste... A flor está como ela está. Garota sem cor, garota sem vida, guardada dentro de um livro qualquer sem história alguma.

Ela chora quando toca a flor sem alma, e a flor também chora quando é tocada. Chorar é coisa normal de quem tem dor, de quem tem fome, de quem não tem nada. Ela diz que não tem nada e a flor imóvel aceita suas palavras, assim como aceitou as palavras do livro que a guarda, que a prende, que não a deixa respirar. A garota diz para a flor que quem respira pode ter muitas ações, quem respira pode gritar, pode andar, pode correr, pode ir embora, e explica que é por isso que prefere a deixar dentro do livro não lido... para que não respire. Não respirar paralisa o tempo no instante do último suspiro. O último suspiro pode significar o final de uma história, é por isso que a garota prendeu o suspiro, para prender a história.

Ela não sabe me dizer o que sente todas as vezes que procura a flor dentro do livro, ela não sabe me dizer no que pensa quando encontra aquelas minúsculas pétalas vermelhas. Mas a verdade é que eu sei o que ela sente e pensa. Quando alguém sente saudade e pensa em outra pessoa a gente sempre sabe. Não é preciso ouvir as palavras da boca dela, nem tampouco ler as palavras do livro que guarda uma vida arrancada, é só olhar as palavras dos olhos dela e notar as palavras dos seus gestos. É saudade o que sente, uma saudade vermelha, uma saudade viva que misturada com o medo se transforma em pétalas escuras e tristes. É assim a flor, assim é ela. Assim sou eu.

ps: Para A.M
Cássia Fernandes