II. O Vento e o Branco. (A Espera)

A areia úmida da praia me conforta. Meus passos ficam marcados. O vento vem como um companheiro a me rodear, me envolve, me abraça. Sinto falta de abraços, mas não quero escrever sobre isso. Abraços, laços, me prendo, meu medo... Sempre tive medo de me prender a alguma coisa, nunca deixei nada me envolver, hoje o vento me envolve... só tem ele...

Vivo em um lugar distante de tudo. Tudo é distante de mim, menos o mar, e o fogo, e o vento... Eu não sou nada, não tenho nada. Penso se a idade não afeta meu controle, penso se não é ela a culpada pelo meu emudecimento. A idade me calaria? Tento sim colocar a culpa nos meus 63 anos, mas sei que, se não tenho voz, é porque não tenho ninguém que me ouça.

Hoje meu dia está sendo como ontem, exceto pela chuva. Sim, chuva! Adoro a chuva, o choro... chuva é choro, choro da alma. As lágrimas do céu quando caem sobre mim lavam e levam meu medo, meu tempo, esquecimento... Esqueço de tudo, que pra mim é o nada. É difícil admitir meu medo, é difícil admitir minha solidão, minha fraqueza, é difícil de admitir a culpa.

Então eu paro, olho para as ondas e sorrio, faz tempo que não sorrio. E risos então? Se não tenho sussurros e ruídos, quanto mais risos?! Por que sorrir para as ondas? Ora porquê?! Porque vivemos todos os dias em um jogo de esconde-esconde e pega-pega. Todos os dias elas tentam me alcançar, eu sempre fujo. Sempre fugi das coisas. Fugia de carinhos, de afeto, de palavras, de amores... Covarde eu!

As paredes e os móveis da minha casa me descrevem, me definem. São brancos. Brancos como as páginas da minha vida. Brancas elas, não porque eu não vivi, nem porque eu não tenho história. Brancas porque eu apaguei tudo da minha memória. Ou pelo menos tentei apagar. Não sei se não lembro porque eu esqueci, ou porque esqueço de lembrar. Acho que é por medo de lembrar. Mas por que medo? O branco é curioso...

Pego a folha em branco, a caneta nova e minha vida vazia e entro novamente no dilema.


Escrevo. Minto...

Tenho paredes brancas no olhar.

Cássia Fernandes.