III. O Sol. (A Espera)

Estou sentada agora na frente da janela de minha sala olhando o nascer do sol. Aprendi a ver beleza em todas as coisas... Não que o sol não seja belo, mas ele é fogo. Encontro a beleza do fogo junto com a beleza do mar. O fogo sai do mar. E o fogo não se apaga. Eu vejo o sol nascer todos os dias. O sol é meu tempo, é meu relógio. O sol me faz lembrar...

Eu tinha 6 anos e não era uma criança como as outras. Meu pai havia nos abandonado, eu e minha mãe. Ela dizia que o amava, mas que ele não a queria mais. A partida dele não era culpa dela. Era culpa minha. Eu sentia que ele queria que eu fosse ela, ele me tomava como a ela. Eu nunca entendi, fui entender mais tarde. Bem mais tarde...

E mais tarde, quando eu entendi, passei a me odiar e a odiar minha mãe por amá-lo. Era meu pai, o homem que não me queria como filha. Eu era uma criança. Os carinhos que me dava não eram os carinhos que devia me dar. Eram carinhos sujos, sujos apenas porque eram para mim. É por isso que prefiro que minha vida seja como as paredes que me cercam. Branca. Não gosto de lembrar, mas é apenas o que me resta fazer. Prometi que eu nunca escreveria sobre isso. Tarde demais.

O sol já saiu por inteiro do ventre do mar. Acabou o espetáculo. Levanto e vou saldar a mãe. As ondas insistem em brincar, dessa vez eu não fujo. Morar de frente pro mar não foi uma escolha, foi uma necessidade. A solidão me leva ao mar. O mar fala comigo, eu falo com o mar... sem falar, pois não tenho ruídos.

É por não ter ruídos que escrevo.

Desisto do mar, volto para casa, acendo o fogo na lareira e sento na minha cadeira tão velha quanto eu. Agora é eu, o fogo e o mar, dessa vez o mar não sou eu, estamos afastados pelos vidros da minha janela. Fecho os olhos.

Dói lembrar.


Cássia Fernandes.