IV. A Morte. (A Espera)

Estou com medo. Sim, medo! Lembrar das coisas me causa medo... Mas dessa vez eu não vou fugir... Quando se está só as lembranças sempre vêm. Prefiro lembranças a sonhos... O que são sonhos? Ora, sonhos são o que causa dor. Lembranças me causam dor, mas os sonhos ainda mais. Passei minha vida inteira sonhando... Ainda escreverei sobre meus sonhos. Mas não agora.

Hoje é um dia especial para mim. Faço mais um ano de vida, mas não é especial por isso. É especial porque estou mais perto da morte. Abstrato falar da morte não é mesmo?! Não. Para mim não é. Como eu já disse, sempre vivi morrendo. A presença da morte em minha vida era... Não. Ela ainda é. Enfim...

Foi há anos atrás que descobri minha doença, aquela terminal que nunca termina... Falarei sobre ela mais tarde. Agora me deterei na minha reação, ação, inação.

Quando descobri foi...foi... Na verdade nem sei como foi, nem sei o que senti, nem sei o que pensei. Não pensei nada, não senti nada, não falei nada... Olhei para o nada, ou melhor, olhei para dentro de mim. Não foi difícil pra mim saber que morreria, afinal isso eu sempre soube. Mas pensar que eu podia morrer a qualquer hora... me aterrorizava.

Então passei a agarrar tudo o que eu tinha, passei a fazer tudo o que eu nunca tinha feito, passei a falar tudo para todos. Eu não sabia quando minhas palavras poderiam ser as últimas. Eu dormia com a morte e acordava com ela. Eu acordava...

Os anos foram passando e a presença dela não mais me abalava, eu a sentia imóvel. Mudei... Mas sempre esperando a ação dela... Parei de falar tudo a todos, parei de fazer o que eu não tinha feito ainda, parei de me prender. A morte não agia...

É por isso que estou onde estou, e vivo como vivo. E hoje, nesse dia especial, além do mar, do fogo e do vento, tenho a morte como companheira. Não temo a morte.

Acendo meu cigarro... tem gosto de... de morte.

Ela está próxima.


Cássia Fernandes