I. A Espera.

Coloco fogo na lareira enquanto as ondas lá fora tentam me alcançar. Sozinha sinto o peso dos meus 63 anos nas costas, sento. Ao redor nada me atrai, nada tem cor. É a brancura de tudo e a escuridão do nada que há em mim. Estou onde já estive um dia, e vivo como sempre vivi, só. O fogo é brando, o mar agitado e eu não sou nada. Qual é meu nome? Para que nome se não há quem me chame, quem me cite, quem me lembre? É melhor não ter nome, é melhor não ser.

Não conto as horas, para que horas? Eu sei que elas passam enquanto fico aqui. Eu e o fogo, o fogo e o mar, o mar sou eu. Recordações? Recordar-se do quê? Sim, tenho recordações, e é por isso que escrevo. Escrever é uma condição. Escrever é minha solução. Fico em um dilema: é uma folha em branco, uma caneta nova, e uma vida vazia. O que fazer com a folha? Como usar a caneta? Como escrever minha vida? Então não escrevo, minto.

Não enxergo mais o mar, as janelas continuam abertas, mas a escuridão de dentro de mim parece ter invadido e possuído o dia. O fogo está se acabando, está morrendo... Eu sempre vivi pensando em minha morte, é por isso que não tenho nome. Tenho uma doença terminal, que nunca termina. Vivi morrendo...

Não tenho voz, sou o silêncio... Perdi meus gritos, meus lamentos e meus sussurros em algum lugar no passado. Não há agora o porque gritar, me lamentar, sussurrar... Só cabe a mim esperar, esperar o que sempre esperei... Esperança? Talvez. Quero que termine o que ficou por terminar. De que adianta escrever? Quem vai vir até uma morada distante de tudo, perto do mar, procurar palavras de alguém que há anos não existe mais? Deixei todos para trás. Deixei que o tempo e a distância ultrapassasse tudo o que de fato me constituía... Serei silêncio novamente, agora...

O fogo se apaga, as ondas se afastam, eu termino.

Cássia Fernandes.